As lúnulas de Hipócrates de Chios

Entende-se por LÚNULA , a figura geométrica limitada por dois arcos circulares de raios distintos. Consta nos compêndios de História da Matemática que as lúnulas foram objeto de estudo do matemático grego do século V A.C. , Hipócrates de Chios, nascido na ilha de Chios.

Notas:

a) não confundir Hipócrates de Chios, com o seu contemporâneo Hipócrates de Cos, médico grego do século V A.C., nascido na ilha de Cos. Uma das obras de Hipócrates intitulada "O Juramento" é até hoje citada nos textos pronunciados nas cerimônias de formatura nos cursos de Medicina. Hipócrates de Cos é conhecido como o Pai da Medicina Moderna.

b) uma lúnula também é popularmente conhecida como uma "lua nova".

c) na figura a seguir, identificamos duas lúnulas (pintadas em vermelho).

Vamos abordar o tema, resolvendo o clássico problema a seguir:

Provar que a soma das áreas das lúnulas da figura a seguir, é igual à área do triângulo ABC.

Notas:

1 – a figura acima foi construída da seguinte forma:

a) constrói-se o triângulo retângulo ABC.
b) com centro em O (ponto médio de AB) traça-se um semicírculo de raio AO = OB.
c) com centro em D (ponto médio de AC) traça-se o semicírculo de raio AD = DC
d) com centro em E (ponto médio de BC) traça-se o semicírculo de raio CE = EB
e) a figura não está em escala.

2 – observe que o triângulo ABC é retângulo em C, pois o ângulo ACB está inscrito num semicírculo

Solução:

Identificamos na figura abaixo:

a) as duas lúnulas de áreas L1 e L2.
b) os segmentos circulares de áreas A1 e A2.
c) o triângulo retângulo de área A3.

Observe que é válido escrever:
L1 + L2 = (L1 + A1) + (L2 + A2) – [(A1 + A2 + A3) – A3]
Com efeito, efetuando as operações indicadas no segundo membro da igualdade acima, obteremos : 
L1 + A1 + L2 + A2 – A1 – A2 – A3 + A3, que simplificada resulta L1 + L2 que é a soma das áreas das lúnulas.

Para entender o argumento acima, verifique que a soma das áreas das lúnulas pode ser obtida somando-se as áreas dos dois semicírculos de diâmetros AC e CB e subtraindo-se do resultado, a diferença entre as áreas do semicírculo de diâmetro AB e do triângulo ABC. Se você não conseguir enxergar desta forma, resta o consolo propiciado pela igualdade descrita acima, que não deixa pairar dúvidas quanto à veracidade do argumento.

Então, vamos utilizar a igualdade acima para ajudar na solução do problema proposto.

(L1 + A1) + (L2 + A2) – [(A1 + A2 + A3) – A3] = L1 + L2

1ª parte: Cálculo de L1 + A1 (área do semicírculo de diâmetro AC).
Como a área de um círculo de raio R é dada por S = p R2, a área do semicírculo será a metade, ou seja, no caso: 
L1 + A1 = p (AC/2)2 , onde AC/2 é o raio do semicírculo de diâmetro AC.

Portanto, L1 + A1 = p (AC)2 / 4

2ª parte: Cálculo de L2 + A2 (área do semicírculo de diâmetro CB).

Analogamente, L2 + A2 = p (CB/2)2 , onde CB/2 é o raio do semicírculo de diâmetro CB.

Portanto, L2 + A2 = p (CB)2 / 4

3ª parte: Cálculo de A1 + A2 + A3 (área do semicírculo de diâmetro AB).
Analogamente, A1 + A2 + A3 = p (AB/2)2 , onde AB/2 é o raio do semicírculo de diâmetro AB. Portanto,

A1 + A2 + A3 = p (AB)2 / 4

4ª parte: Cálculo de A3 (área do triângulo retângulo).

A área de um triângulo é igual ao semiproduto da medida de uma das bases pela medida da altura correspondente. No presente caso do triângulo retângulo ABC, fica:
A3 = (BC).(AC) / 2

Portanto, como já sabemos que a soma das áreas das lúnulas (L1 + L2) é igual a:

L1 + L2 = (L1 + A1) + (L2 + A2) – [(A1 + A2 + A3) – A3]
Vem, por simples substituição dos valores obtidos acima:

L1 + L2 = (L1 + A1) + (L2 + A2) – [(A1 + A2 + A3) – A3]
L1 + L2 = p (AC)2 / 4 + p (CB)2 / 4 – [(p (AB)2 / 4) – (BC).(AC) / 2]

Desenvolvendo, vem:

L1 + L2 = p (AC)2 / 4 + p (CB)2 / 4 – p (AB)2 / 4 + (BC).(AC) / 2]

Colocando p em evidencia, fica:

L1 + L2 = p [(AC)2 / 4 + (CB)2 / 4 – (AB)2 / 4] + (BC).(AC) / 2]

Efetuando a soma indicada entre colchetes, fica:

L1 + L2 = p [(AC)2 + (CB)2 ] / 4 – (AB)2 / 4] + (BC).(AC) / 2]

Ora, pelo célebre teorema de Pitágoras, (AC)2 + (CB)2 = (AB)2 no triângulo retângulo ABC do enunciado do problema. Logo, substituindo, fica:

L1 + L2 = p [(AB)2 ] / 4 – (AB)2 / 4] + (BC).(AC) / 2] = p .0 + (BC).(AC) / 2]
Como p . 0 = 0, vem finalmente:

L1 + L2 = (BC).(AC) / 2 , onde L1 + L2 é, como sabemos , a soma das áreas das lúnulas.

Ocorre que (BC).(AC) / 2 é justamente a área do triângulo retângulo ABC. Portanto, está provada a assertiva do enunciado, ou seja: a soma das áreas das lúnulas da figura dada é igual à área do triângulo retângulo ABC.

Trata-se de um resultado belíssimo e até surpreendente!

Agora resolva este:

Construa um triângulo retângulo isósceles ABC, onde BC é a hipotenusa e AB e AC os catetos. Com centro em A, trace um semicírculo de raio AB = AC. Agora construa um semicírculo com centro no ponto médio de BC (hipotenusa do triângulo ABC), de raio BC/2. Prove que a área da lúnula obtida é igual à área do triângulo ABC.

Paulo Marques, 31 de dezembro de 2003 - editado em 10/09/2011, Feira de Santana - BA.


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